O desalento dos intelectuais

Postado em mai. de 2013

Arte | Cultura | Social

O desalento dos intelectuais

Rumo ao abismo do pensamento. Relações esvaziadas, arte perdida, comunicação espetacularizada. Laços efêmeros, fragmentação, sociedade líquida, diria Zygmunt Bauman. Será?


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O Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa debateu o que denomina espetacularização da cultura no Fronteiras do Pensamento São Paulo 2013. De acordo com o escritor peruano, a cultura já não é a mesma do que era há alguns anos. O conceito se estendeu tanto, que passou a abarcar tudo. “E, se a cultura é tudo, ela já não é mais nada." Será? É constante, em grande parte dos intelectuais, a ideia da deterioração cultural. Estaríamos cada vez “piores". Rumo ao abismo do pensamento. Relações esvaziadas, arte perdida, comunicação espetacularizada. Laços efêmeros, fragmentação, sociedade líquida, diria Zygmunt Bauman. Será? Esse tecido um tanto quanto descrente, que tenta chamar atenção por meio do negativo, é uma visão completa ou uma tentativa de despertar a sociedade para um retorno de valores? E é possível retornar para supostos tempos melhores ou esta é a precisa estrutura da crítica?

Fernando Schüler, curador do Fronteiras do Pensamento, apresenta outra visão: “Alguém que viveu sua juventude nos anos 80 do século 19 poderia culpar o automóvel, o avião e a eletricidade pelo fim da incrível beleza das carroças e dos lampiões de gás. Em alguns anos, quando o Facebook for uma relíquia, como são hoje aqueles álbuns que as moças dos anos 50 cultivavam, não faltará alguém para assegurar que naquela época, sim, havia cultura, até que um dia tudo se perdeu."

Em entrevista à Revista Galileu, nova parceira do Fronteiras do Pensamento São Paulo, Schüler apontou um interessante raciocínio: diz a escritora norte-americana Camille Paglia, conferencista do Fronteiras 2007, que o último grande artista foi o pintor Jackson Pollock (EUA, 1912-1956). Ocorre que o período mais frutífero da obra de Pollock foi justamente na época em que Paglia nasceu, há 60 anos. Isso significaria que, ao longo de toda vida da feminista, nenhuma obra de arte de valor cultural suficiente foi criada. Fernando Schüler questiona essa matemática. São diferentes juízos, argumenta o curador. Juízos não apenas direcionados à crítica social, mas às nossas próprias vidas, ao nosso envelhecimento, à passagem do tempo através de nós.

Como diferenciar uma realidade negativa, em seu conjunto, de fatos negativos ou visões negativas? Nas mídias, nos jornais, impressos ou televisivos, é senso comum o apelo à tragédia e à violência. A sociedade projeta sua identidade nas manifestações contra algo, no pensamento crítico, na grande lástima dos velhos tempos. Talvez, este seja o esvaziamento da cultura no fim das contas, o se deixar levar pelas notícias negativas e pela ideia de que identidade social existe apenas na crítica ao poder. Ou emitir um juízo supostamente total com base em fragmentos, fatos, pontuais episódios noticiados.

Em recente artigo ao Opinião ZH, Fernando Schüler esclarece: “De minha parte, considero inteiramente incompreensível o desalento dos intelectuais. Não há uma só área da vida humana que não tenha melhorado substantivamente nas últimas duas ou três décadas. A começar com coisas bem menos abstratas do que a arte. A mortalidade infantil caiu pela metade nos últimos 25 anos. A pobreza extrema caiu de 43% para 16% no mundo em desenvolvimento. Seríamos hoje mais banais? Tenho lá minhas dúvidas. Quem sabe, tenhamos apenas mais gente exercendo sua banalidade."

Assista à entrevista com Fernando Schüler à Revista Galileu abaixo:Fronteiras indica:

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Fernando Schüler

Fernando Schüler

Curador do Fronteiras do Pensamento

Atualmente é titular da Cátedra Insper Palavra Aberta. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com Pós-Doutorado pela Columbia University, em NY. É
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