Em conferência no Fronteiras São Paulo, Giannetti e Lipovetsky debatem a sociedade do hiperconsumo e da leveza

Postado em jun. de 2017

Filosofia | Sociedade | Cultura

Em conferência no Fronteiras São Paulo, Giannetti e Lipovetsky debatem a sociedade do hiperconsumo e da leveza

Filósofo francês e economista brasileiro participaram de debate especial na segunda conferência desta temporada.


Compartilhe:


Na última quarta-feira, foi a vez de São Paulo receber o debate especial entre o filósofo francês Gilles Lipovetsky e o economista brasileiro Eduardo Giannetti. O tema da conferência, um questionamento - Somos a civilização de leveza? - suscitou diversas reflexões e algumas novas perguntas.

Após as falas dos conferencistas, o curador do Fronteiras do Pensamento, Fernando Schuler, mediou questões entre o público e os convidados. O consumo, uma das temáticas mais frequentes na fala de Lipovetsky e Giannetti, relacionada por ambos à cultura da leveza, pode ser analisado e compreendido por inúmeras perspectivas - inclusive, pode adquirir uma conotação negativa ou positiva, dependendo da forma como o tratamos.

Em meio as suas reflexões sobre a consternação da vida contemporânea em torno do vazio e do individualismo causados pelo hiperconsumo, o filósofo francês alertou sobre o risco de se adotar uma visão maniqueísta acerca do fenômeno. "Não é verdade que o individualismo ligado ao consumo seja um sinônimo pura e simplesmente do egoísmo. As pessoas continuam sendo capazes de se mostrar altruístas, de fazer coisas mesmo que não sejam atos heróicos, e não é verdade que o mundo no qual estamos seja um inferno no qual todo mundo está fechado em relação aos outros", afirmou Lipovetsky.

Eduardo Giannetti, por sua vez, apontou algumas contradições que percebe na sociedade contemporânea, com relação à insatisfação das pessoas com o modelo de vida que levam. Para ele, embora seja imprescindível a manutenção das liberdades individuais, deve-se buscar uma transformação social mais coerente com o estilo de vida que as pessoas almejam. "Os melhores economistas políticos, como John Stuart Mill, como Marx, como Marshall, como Keynes, sempre imaginaram que a humanidade passava por um período transitório para que enfim pudessem se livrar da escravidão ao econômico. Seria um mundo em que as pessoas poderiam finalmente, graças ao aumento da produtividade, da tecnologia e da acumulação de capital, voltar suas existências para a criação, para a afetividade, para a espiritualidade, sem viverem obcecadas e atormentadas pela insegurança da economia", pontuou.

Confira abaixo a cobertura da Folha de S. Paulo sobre o debate especial entre os dois conferencistas do Fronteiras do Pensamento.



Giannetti cita papa Francisco para apontar 'crise da ecologia psíquica'

Logo no início de sua conferência, parte da série Fronteiras do Pensamento, o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca brincou que jamais havia imaginado usar um trecho de uma encíclica papal como inspiração para uma palestra sua.

Na noite de quarta (7), Giannetti e o filósofo francês Gilles Lipovetsky falaram ao público que lotava o teatro Santander, em São Paulo, sobre temas como a pós-modernidade, o individualismo e o consumo.

O economista iniciou suas reflexões a partir de uma passagem de um texto do papa Francisco, em que o líder religioso comenta questões ambientais. "Os desertos externos estão aumentando no mundo porque os desertos internos se tornaram tão vastos", escreveu o papa.

A partir da referência aos "desertos externos", Giannetti disse que a degradação ambiental é "uma questão absolutamente central do século 21", expressa especialmente na mudança climática.

Ele citou estudo recente publicado pela revista científica britânica "Nature". De acordo com o texto, sendo 7 bilhões a população mundial, 1 bilhão é responsável por 50% das emissões de gás carbônico. O segundo grupo, formado por 3 bilhões de pessoas, responde pela produção de 45%. A terceira parcela, a mais pobre, emite apenas 5%.

O último grupo, como observou Giannetti, busca ascender ao padrão de consumo do filão intermediário. Esse, por sua vez, pretende chegar ao topo, o grupo do 1 bilhão. "Assim a conta não fecha. Não dá para mantermos esse movimento", enfatizou o economista, que acredita que a nossa sociedade "está perdendo o controle do mundo natural".

Giannetti partiu, então, para abordagem de outro nó da vida contemporânea, definida por ele como "a crise da ecologia psíquica". Ele relaciona esse fenômeno aos "desertos internos" mencionados pelo papa.

Segundo o economista, nos países de alta renda per capita, uma em cada cinco pessoas da população economicamente ativa sofre algum tipo de distúrbio psíquico a cada ano. Ainda de acordo com ele, o número de mortes por suicídio em países como EUA e Alemanha é superior às causadas por acidentes de carros.

"Não condeno os ídolos da modernidade, como a tecnologia e o crescimento econômico, mas é preciso impor limites. Temos de construir novos valores", afirmou o autor de livros como "Trópicos Utópicos" (2016), "A Ilusão da Alma" (2010) e "Felicidade" (2002).

O cenário é alarmante, mas, assim como a introdução, o desfecho da conferência de Giannetti teve tom de bom humor. Ele citou o poeta português Fernando Pessoa: "Extraviamo-nos a tal ponto que devemos estar no bom caminho".

LIPOVETSKY

Já o filósofo francês Gilles Lipovetsky discorreu sobre o conceito de leveza em uma sociedade de hiperconsumo.

"O hiperconsumo se estabelece numa sociedade em que quase a totalidade das relações humanas são pautadas pela lógica comercial", observou o francês.

Segundo Lipovetsky, "essa sociedade do hiperconsumo está muito ligada à leveza. A vida leve é regida pelos prazeres, pela distração. O ato de comprar é cada vez mais leve. Celebramos a leveza por meio do cybercomércio".

Nesse momento, o filósofo, que associa leveza e superficialidade, apontou um paradoxo. "O mundo contemporâneo, em meio à depressão e ao estresse, parece cada vez mais pesado. Para as mulheres, por exemplo, não há nada mais pesado do que o imperativo da magreza", afirmou.

Para o autor de "A Era do Vazio" e "O Império do Efêmero", só é possível resistir efetivamente ao hiperconsumo com o aprimoramento do sistema educacional. "Por meio da escola, podemos dar às crianças o gosto pela cultura, pela reflexão, pela criação artística."

(Via Folha)

Compartilhe: