"A inovação não precisa ser um objeto. Às vezes, as maiores inovações são métodos"

Postado em set. de 2022

Futuro e Tendências Globais | Economia e Negócios

"A inovação não precisa ser um objeto. Às vezes, as maiores inovações são métodos"

Pesquisador de referência no assunto, Steven Johnson estará no Fronteiras do Pensamento, na próxima semana.


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Escritor produtivo, o norte-americano Steven Johnson já contabiliza, aos 54 anos, 13 livros publicados. No Brasil, diversos deles permitem conhecer a mente provocativa, analítica, fascinada por criações. Convidado do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, Johnson estará em São Paulo, no dia 12 de setembro, e em Porto Alegre, no dia 14 de setembro, para falar sobre o tema principal do evento neste ano: inovação.

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Autor de De Onde Vêm as Boas Ideias, Johnson fala, nesta entrevista, concedida por e-mail, sobre seus temas de maior interesse, incluindo aquele que considera a maior conquista da humanidade: a longevidade. – A inovação não precisa ser um objeto, como um smartphone ou um satélite. Às vezes, as maiores e mais poderosas inovações são métodos – diz o pesquisador. 

A entrevista foi dada à jornalista da Zero Hora, Larissa Roso, e publicada no Caderno DOC, na sessão Com a Palavra. Confira abaixo. 

De Onde Vêm as Boas Ideias é um de seus livros mais conhecidos. Como relaciona inovação e boas ideias?


Naquela primeira versão do livro (lançada em 2010), a distinção entre inovação e boas ideias não me parecia muito clara. Mas, desde então, tenho pensado que se trata da diferença entre uma ideia que vem a sua cabeça e parece promissora versus uma ideia que se transformou em alguma forma material e encontrou um público no mundo ou, de forma geral, é útil para as pessoas. E a inovação não precisa ser um objeto, como um smartphone ou um satélite. Às vezes, as maiores e mais poderosas inovações são métodos, como os ensaios clínicos randomizados controlados (tipo de experimento científico baseado na comparação entre duas drogas, por exemplo; os voluntários participantes recebem, em um grupo, a substância a ser testada, e no outro, placebo ou uma terapia já conhecida para a doença ou condição em análise). 


Sobre essas inovações poderosas que podem ser métodos: poderia dar mais exemplos?

O exemplo mais óbvio é o método científico em si: construir hipóteses sobre como algo funciona, testá-las e, então, refinar uma hipótese com base no resultado do teste. Esse foi um “método” que permitiu o surgimento de milhares de inovações. No livro Longevidade: Uma Breve História de como e Por que Vivemos Mais, falei sobre a importância da criação da categoria estatística da expectativa de vida: a partir do momento em que você consegue medir esses dados, pode fazer comparações entre diferentes regiões, diferentes comunidades ou diferentes períodos no tempo, vendo qual grupo teve melhor performance em termos de expectativa de vida. Isso facilitou a detecção de problemas de saúde e a elaboração de soluções. 


Você costuma dizer que dois questionamentos estão no centro do seu trabalho há mais de duas décadas: de onde vêm as boas ideias e como podemos evitar que essas ideias se voltem contra nós. Pode falar sobre isso?


Me interesso pela primeira pergunta desde o começo da minha carreira. Até em alguns livros de história que escrevi – como O Mapa Fantasma: Como a Luta de Dois Homens contra o Cólera Mudou o Destino de Nossas Metrópoles (a edição mais recente traz o subtítulo Uma Epidemia Letal e a Epopeia Científica que Transformou Nossas Cidades) – estavam muito centrados na questão sobre como alguém, ou um grupo de pessoas, tem uma ideia verdadeiramente transformadora, como a percepção de que o cólera era uma doença que poderia ser transmitida por água contaminada. Mas, ao longo dos últimos 10 anos, mais ou menos, tenho escrito mais e mais sobre as consequências não intencionais de nossas inovações, consequências que, às vezes, podem ser catastróficas. Atualmente, estou trabalhando em um projeto sobre o inventor Thomas Midgley Jr. (engenheiro mecânico e químico americano, 1889-1944), que criou, na década de 1920, a gasolina com chumbo e os clorofluorcarbonetos (CFCs) que causaram o buraco na camada de ozônio. Nenhuma pessoa provocou tanto estrago ao planeta quanto Midgley, mas ele fez isso com a melhor das intenções. Estava apenas tentando tornar os automóveis e os refrigeradores mais eficientes e, ironicamente, mais seguros. 

Inovações dependem de boas ideias, criatividade. A criatividade depende de tempo para pensar, descansar. Está mais difícil ser criativo hoje em dia?


Acho que é uma mistura de coisas. Por um lado, a criatividade vem de conexões surpreendentes entre ideias ou de colaborações improváveis com outras pessoas – e a internet tornou esses links fortuitos bem mais comuns. Estou constantemente esbarrando em ideias e pessoas interessantes no Twitter, que é uma grande fonte de descobertas para mim. Por outro lado, você também precisa de tempo para que as ideias evoluam na sua cabeça. Precisa de tempo para que a sua mente possa vagar um pouco – e é difícil fazer isso se você estiver a todo instante checando o Twitter. Escrevi recentemente um post no Substack (plataforma para criação de newsletters) sobre a importância de caminhar e pensar. Charles Darwin (1809-1882) percorria um caminho no quintal de casa todos os dias, revolvendo ideias na cabeça. Ele chamava isso de “caminho do pensamento”. Todos nós poderíamos adotar mais práticas semelhantes a essa nos dias de hoje. 


Caminhar e pensar. Costuma ter tempo para fazer isso?


Passamos a maior parte do ano em Nova York, que é, de longe, a cidade dos Estados Unidos com mais planejamento baseado no deslocamento de pedestres. Então, caminha-se muito apenas para ir de um lugar a outro. Adoro caminhar para pegar um café de manhã, antes de começar a trabalhar – apesar de termos uma boa máquina de café em nosso apartamento –, em parte porque posso exercitar um caminhar e pensar muito útil nesse trajeto, especialmente depois que já tenho o café na mão.

Também gosto muito do Twitter. No Brasil, agressividade, intolerância e desinformação têm aumentado muito com a proximidade das eleições de outubro. Como os usuários dessa e de outras redes sociais podem tentar tirar algum proveito delas apesar das circunstâncias?


O Twitter ser bom depende de quem você segue por lá. Se você acompanha indivíduos interessantes e confiáveis, seu feed será, geralmente, interessante e confiável. É útil desabilitar o feed algorítmico do Twitter e ver apenas uma linha do tempo cronológica reversa das postagens. 


Tudo que É Ruim É Bom para Você: Como os Games e a TV nos Tornam Mais Inteligentes saiu em 2005. Séries em canais de streaming e games vêm sendo lançados em ritmo alucinante, e as pessoas dedicam muitas horas a esse tipo de entretenimento. Você acha um exagero? O hábito de maratonar séries muda alguma das suas ideias sobre o assunto? Ainda acredita que ficamos mais inteligentes com a cultura pop?


O título brincava um pouco com o tema, mas, se você olhar para o livro, o argumento central é que formatos como seriados de TV e jogos estavam ficando cada vez mais complexos em termos do que a sua mente deveria fazer para entendê-los e dar sentido a eles: de Happy Days a The Wire, de Pong a SimCity. Certamente, essa tendência permanece: os seriados que eu analisava no livro, que pareciam complexos na forma à época, como The Sopranos, ficaram muito mais simples, em termos de enredo, diálogos, número de personagens etc., do que atrações como Game of Thrones. E o sucesso de jogos como Minecraft, em que as crianças estão, basicamente, programando um mundo inteiro, é uma grande validação do argumento que apresentei lá atrás. 


A que séries você tem assistido? Joga videogame ou é apenas um observador?


Temos assistido Severance, que é sombria, engraçada e com uma linda fotografia, e também estamos terminando a última temporada de Ozark. Sou um grande fã de jogos de simulação no estilo de SimCity, embora não tenha tido tanto tempo para isso ultimamente. Amo Anno 1880, que é basicamente tudo sobre como construir um império global gigante de negócios. Aprendi muito sobre cadeias de suprimentos com esse jogo no último ano. Me preparou bem para o atual ciclo das notícias. 


Saúde e ciência estão entre suas principais áreas de interesse, e você consegue explicar tópicos complexos para o grande público de maneira admirável. O que mais deveria ser feito para tornar a ciência mais popular?


Para mim, trata-se de contar histórias. Uma das coisas de que falo em Longevidade, meu livro mais recente, é essa ideia de que temos todas essas narrativas bem conhecidas sobre heróis militares ou astronautas, mas muito poucas sobre, digamos, grandes avanços médicos ou em saúde pública. Por exemplo, todo estudante sabe sobre a viagem do homem à Lua em 1969, mas a maior parte deles não conhece a história igualmente heroica da erradicação da varíola, que aconteceu por volta do mesmo período, ainda que a erradicação dessa doença tenha sido algo muito maior em termos de impacto na nossa vida atual.

Crianças e adolescentes tiveram a experiência de uma pandemia em tempo real. Que contribuição esse episódio pode dar à educação e ao futuro deles?


Torço para que as escolas aproveitem essa experiência para acrescentar mais conteúdo sobre saúde pública e medicina em seus currículos, especialmente nas aulas de História. A pandemia é resultado, em grande parte, do progresso que tivemos como espécie nos últimos 200 anos e também demonstra a importância da colaboração entre as nações. Criamos um planejamento escolar para uso de professores quando Longevidade foi publicado, então espero que algumas salas de aula estejam usando. 
O que o enfrentamento da pandemia diz sobre nós? Considerando-se atitudes da população, de políticos, autoridades sanitárias, cientistas...


Por um lado, a pandemia expôs o quanto ainda existe de sentimento anticiência por aí, ou a rapidez com que isso pôde ser despertado por nossos líderes, o que foi deprimente. Por outro lado, pandemias são difíceis. É incrível a quantidade de pessoas que mudou de comportamento, no mundo inteiro, para diminuir a velocidade de disseminação do vírus. E, claro, o desenvolvimento das vacinas de RNA mensageiro (plataforma utilizada pelo imunizante da Pfizer, por exemplo, em uso no Brasil) é um dos grandes triunfos na história da ciência. Então, acho que o enfrentamento da pandemia foi uma mistura de altos e baixos. 


Você considera como a maior conquista da humanidade o fato de a expectativa de vida ter duplicado. Por quê?


Nada se compara a isso em termos de impacto imediato na vida das pessoas: no começo da vida, quando, historicamente, 30% das nossas crianças morriam antes da idade adulta, e, agora, no final da vida, quando muitos vivem até os 90 e mesmo os cem anos. Minha avó morreu recentemente aos 104 anos, o que significa que ela viveu o suficiente para aproveitar muito os bisnetos. É uma mudança incrível em comparação com o patamar onde estávamos apenas um século atrás. Mas isso aconteceu lentamente, com pequenas melhorias ano após ano, a soma total de 1 milhão de inovações que surgiram separadamente, então não apreciamos a magnitude dessa mudança. 

Qual a sua opinião sobre as redes sociais e as transformações que representaram na vida das pessoas?


Há prós e contras, sem dúvida. É um dos acidentes infelizes no desenvolvimento de softwares de rede. A arquitetura original da internet não tinha como descrever a identidade e as relações entre as pessoas – era muito mais uma interface baseada em textos, documentos do que no aspecto social. E, então, corporações privadas entraram na jogada para definir essa camada social e investiram no modelo de anúncios como forma de financiamento das plataformas, o que introduziu todo tipo de problema e incentivos distorcidos na história. 
O Brasil é um país muito desigual. Um levantamento recente apontou 33 milhões de pessoas passando fome todos os dias. Como a tecnologia poderia atingir essa parcela excluída da sociedade?


Certamente, a tecnologia está ficando cada vez mais barata. Você pode comprar um smartphone por poucas centenas de dólares que tem o poder de um supercomputador que custava US$ 1 milhão há uma década. Mas eu me preocuparia mais em alimentar essas pessoas. É aí que precisamos de inovações. 

Sobre o futuro: que setores você destacaria como os mais importantes em termos de inovação?


Inteligência artificial, com certeza. Escrevi um longo artigo para o New York Times sobre a OpenAI (laboratório que pesquisa inteligência artificial) e o GPT-3 (sistema desenvolvido pela OpenAI). Houve avanços muito interessantes aí nos últimos um ou dois anos. A tecnologia de RNA mensageiro e a imunoterapia (tratamento que fortalece o sistema de defesas do organismo para combater doenças como o câncer) terão enormes avanços na saúde. Já em relação ao universo das criptomoedas, estou menos convencido. Escrevi sobre isso muitos anos atrás, tentando dar aos entusiastas o benefício da dúvida, mas simplesmente não parece que isso esteja cumprindo as ambiciosas promessas que se tinha a respeito lá atrás. 


Na posição de quem já foi professor universitário, quais são os aspectos, digamos, mais intrigantes sobre os estudantes da atualidade quando você os compara aos da sua geração?
Tenho filhos no Ensino Médio e na faculdade. Em geral, diria que a geração deles é muito mais empreendedora e interessada em construir coisas, seja startups de tecnologia, seja instituições sem fins lucrativos, do que éramos nos anos 1980. Eu e meus amigos de universidade só queríamos assistir a filmes indie e falar de filosofia francesa. Nunca teria nos ocorrido a ideia de começar uma empresa.
 

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Steven Johnson

Steven Johnson

Semioticista norte-americano

Pesquisador e um dos maiores especialistas do mundo em inovação.
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