Roger Scruton: o que minha história me ensinou sobre o Significado da Vida

Postado em jul. de 2019

Filosofia | Cultura

Roger Scruton: o que minha história me ensinou sobre o Significado da Vida

Filósofo britânico revela sua trajetória pessoal no palco do Fronteiras do Pensamento Porto Alegre.


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Roger Scruton foi o conferencista do Fronteiras Porto Alegre desta segunda-feira (01). O filósofo britânico lotou o Salão de Atos da UFRGS em uma reflexão sobre nada menos do que o significado da vida, uma fala que preenche a temática proposta pelo Fronteiras do Pensamento 2019.

Scruton tem muito a acrescentar à questão. Não apenas pela sua extensa produção filosófica, mas como por sua própria história pessoal. No palco do projeto, o intelectual mesclou as lições de seus mais de 30 livros aos 75 anos de narrativa pessoal, revelando uma face que poucos conhecem.

O público presente no Salão de Atos da UFRGS pôde conhecer a origem do pensamento de Scruton, que começou na sua infância. O filósofo mergulhou na árdua trajetória de sua mãe reprimida e de seu pai autoritário.

Esta foi a base da defesa do filósofo por algo maior na experiência humana. Feliz ou infelizmente, sua defesa surgiu desta triste narrativa, que ele confessou tentar superar durante toda sua existência.

O filósofo nos apresentou sua mãe como o ser que foi se privando de grandes sentidos, recuando frente à imagem do marido. Calando-se à própria vida. Os filhos saíram de casa, como que em uma fuga da raiva do pai.

Em seu recolhimento completo, a mãe cruza uma sucessão de cirurgias contra o câncer que se espalhava por dentro.

 
 
 
 
 
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A mãe silenciava até mesmo diante da morte. Até que, um dia, no quarto do hospital com os filhos, ela fala pela primeira vez: ‘Eu posso olhar para trás agora e ver que minha vida foi um fracasso total. Eu nunca disse o que eu queria. Eu nunca disse que amava todos vocês. Tudo foi sem sentido. Tudo isso levou a nada.’

Foi o início do Roger Scruton que conhecemos, aquele diante do público, defendendo a Beleza e o Sentido na vida humana. Ele descreve sua epifania:

“Estranhamente, estávamos com ela em sua desolação, justamente porque não podíamos consolá-la por isso. A falta de significado que ela descreveu não era sua, mas nossa – era o bem coletivo da nossa família.”

A partir daqui, Scruton navegará pelas águas de Proust: “mais promissor é buscar o sentido da vida não nos acontecimentos que a compõem, mas sim na visão que a redime”, explicou o britânico.


E sua mãe, que viu sua vida passar como que trancada por trás da porta onde a própria existência acontecia, ao abrir esta porta, deparou-se com a morte. Contudo, se o tempo dela havia acabado, Scruton revelou a redenção da mãe na jornada dos filhos.

“Mesmo nesta hora, há uma redenção e ela mesma a forneceu, nas próprias palavras que expressavam seu desespero. Por fim, ela fizera sua confissão. Ela revelou o desejo que havia guardado tão apertado em seu peito, o anseio de expressar seu amor. Isso mudou nossas vidas. Daí em diante, nós a vimos de outra maneira e a narrativa de sua presença foi reescrita como uma narrativa de amor. Claro que não poderíamos fazer nada para mudar a vida dela, que já havia chegado ao fim. Mas, nós poderíamos nos mudar e isso se tornou nossa tarefa.”

Após sua conferência, Roger Scruton respondeu as perguntas do público e do mediador, o jornalista Daniel Scola. Ainda, a pergunta enviada por vocês, nossos seguidores nas mídias sociais, que são patrocinadas pela Braskem.

Confira esta e outras respostas de Roger Scruton no palco do Fronteiras do Pensamento Porto Alegre 2019.

Lembre-se: Scruton é o conferencista do Fronteiras São Paulo desta quarta. Últimos instantes para garantir sua presença neste e nos próximos eventos (Janna Levin, Werner Herzog, Contardo Calligaris e Luc Ferry). Clique aqui para adquirir seu pacote para o Fronteiras São Paulo.

 

Pergunta Braskem: É menor o número de pessoas que se dedicam verdadeiramente ou até mesmo têm contato com a considerada alta cultura. O que é possível fazer a respeito disso?

Roger Scruton: É uma pergunta interessante. Eu fui criado em um mundo no qual a alta cultura era muito valorizada. Eu era encorajado a ler livros, ouvir música, estudar arte, filosofia.

Fui encorajado a pensar que isso seria uma forma de entender o mundo e de me qualificar para que eu fizesse parte da vida pública, pois eu teria um melhor entendimento do que faz com que o coração humano se mova.

Mas, hoje em dia, a alta cultura é considerada de certa forma como uma desvantagem. Vivemos uma cultura das celebridades, em que você se torna uma celebridade se mostrando, se exibindo, e não por ter algum talento, conhecimento, sensibilidade ou cultura.

Então, pela primeira vez, na verdade, a alta cultura se tornou uma desvantagem radical.

Na nossa conversa que tivemos aqui, pouco antes da apresentação, o senhor me confidenciou que é um pouco difícil, na Inglaterra, participar deste tipo de evento dentro de uma Universidade. Que reação é essa? Por que o senhor encontra essa dificuldade e, enfim, por que isso acontece?

Roger Scruton: É uma pergunta importante. Obviamente, a política no meu país tornou-se algo muito divisor, em função de eventos recentes.

Por isso, há certo nível artificialmente elevado de confrontação. Mas, pelo que me lembro, as universidades sempre foram basicamente orientadas mais para a esquerda.

É uma esquerda mais antiga, que achava que as coisas estavam certas e, no entanto, estava disposta a debater com os outros.

Contudo, esta geração mais nova perdeu esta capacidade de debater, em função um pouco das redes sociais e também por estarem isoladas das gerações mais antigas. Ou seja, elas não têm mais interesse em ouvir as pessoas que discordam delas.

As pessoas da minha geração acreditavam que, se você tem uma questão, a forma de respondê-la é através de discussão.

A melhor forma de discutir algo era fazê-lo com alguém que não concorda com você. Desta forma, você refinaria seus argumentos e entenderia melhor a situação. 

A política antiga era assim. Porém, nós vivemos em um mundo novo, no qual as pessoas vivem em uma câmara isolada com as suas próprias opiniões.

Através das redes sociais, as pessoas só têm contato com quem concorda. Ou seja, fora desta esfera de concordância, elas entram em pânico: “Como pode alguém discordar disso? Nós temos que mandá-lo embora, pois nossa comunidade está ameaçada.”

Nós sabemos disso através da história da religião. É claro que os hereges sempre eram perseguidos e expulsos da comunidade, mas, agora quando as pessoas não têm mais esta base na religião, a coisa é pior, mais histérica ainda.

Para cada probleminha do dia, sempre há alguém que opiniará e, se você não tem aquela mesma opinião, você é um fóbico: homofóbico, islamofóbico, seja lá o que for. Isso torna a discussão praticamente impossível.

A defesa das pautas minoritárias é fundamental em uma sociedade, como a brasileira, para coibir a violência e a discriminação ainda muito presentes. Como é possível a existência de uma sociedade democrática sem a devida atenção à maioria dos direitos fundamentais?

Roger Scruton: Esta é a questão fundamental da política democrática moderna. Como conciliar a democracia, ou seja, dar poder ao povo, com os direitos das minorias.

Há um instinto nas pessoas de oprimir as minorias para ficar com o seu próprio grupo. Este é um dos problemas que foi discutido por Emile Durkheim no século XIX e por vários outros.

É um dos motivos pelos quais ele achava que você deve ter um sistema parlamentar e uma democracia representativa na qual haja uma garantia dos direitos das minorias e uma garantia dos direitos individuais também, ou seja, criando uma proteção em torno das pessoas. Mas, há um limite em relação ao que pode ser feito.

Acho que é um princípio bastante sólido. A Constituição dos Estados Unidos incorpora este princípio, e nós, na Grã-Bretanha, de forma geral, não mantemos isso desde o tempo dos Saxões.

Mas, é claro que há uma tensão e é preciso vigilância o tempo todo para nos certificarmos de que os direitos das minorias sejam mantidos e que não sejam destruídos por entusiasmos populistas.

Como o conservadorismo lida com a ideia de busca pela Beleza, uma vez que ela, por si só, muda constantemente? 

Roger Scruton: Diferentes pessoas em diferentes tempos acharam coisas diferentes bonitas, mas o lugar da Beleza na vida das pessoas é algo universal ao humano. Isso não mudou.

A necessidade de Beleza faz parte da natureza dos seres sociais, como todos aqui.

Quando você se muda para uma nova casa, você a decora, organiza os móveis de forma tal que você consegue olhar e consegue também abrir a porta para os visitantes: olha só, essa aqui é minha casa, meu lugar.

Ou seja, esse lugar é seu, a Beleza é isso. É claro que há outros aspectos, como arte, música, etc.

Mas, tudo está dirigido a você ter um lugar seu que possa compartilhar com outras pessoas. Este instinto é fundamental.

E é fundamental também no conservadorismo. Todos os grandes pensadores conservadores, dos quais falo no meu livro, estão muito cientes disso.

Há pessoas que escreveram sobre os valores estéticos, sobre a arte, música, arquitetura. Todos reconhecem que a vida humana sem Beleza tem toda uma dimensão social removida.

O senhor falou muito que o Sentido da Vida vem dos sentimentos que recebemos dos outros. Como isso é afetado na atualidade com o isolamento... Fundamentalmente, de como nós nos comportamos nas redes sociais? 

Roger Scruton: É uma observação realmente profunda. A vida no mundo moderno, onde comunicação é tão fácil através dos meios eletrônicos, é um mundo onde a comunicação sincera está se tornando cada vez mais rara e difícil.

As pessoas estão isoladas nas suas ecocâmaras, nós não temos mais a sensação de estar conversando com outra pessoa diante de uma tela, mas sim são as suas próprias opiniões e visões da vida, é o seu próprio ser que está sendo refletido ali.

Então, todos estamos vivendo como em frente a um espelho. Por isso, temos esse sentimento de isolamento universal nas grandes cidades.

Quanto mais pessoas você vê à sua volta, mais sozinho você se sente. Daí, você volta à vida primitiva, o agricultor na fazenda, essa solidão realmente existe.

Dentro deste tema, para esgotarmos, temos a pergunta de um participante do evento de hoje: A Internet, segundo Umberto Eco, deu voz aos imbecis. O senhor concorda com essa afirmação? Ela muda a forma dos relacionamentos humanos?

Roger Scruton: Com certeza mudou a forma como as pessoas se relacionam. Dá para dizer tanta coisa sobre as redes sociais.

Eu, na verdade, não me envolvo nisso. Na verdade, sou um alvo para isso. O fato é que você pode atacar quem você quiser de forma anônima.

Vivemos em um mundo onde todos estamos sentados em um caldeirão de malícia: é só levantar a tampa e enxergar tudo aquilo.

Isso é perturbador para muita gente. Especialmente, para pessoas que não conseguem aguentar serem atacadas desta forma. Isso acaba produzindo uma espécie de substituto para a comunicação.

Porém, você pode mandar e receber uma mensagem, mas a comunicação é importante. Estar sentado na frente de alguém, olhando em seus olhos é importante. Mas, isso nunca ocorre neste mundo - mas entre as pessoas que se amam isso é a única coisa que acontece.

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Roger Scruton

Roger Scruton

Filósofo e escritor britânico

Intelectual britânico, autor de obras seminais sobre filosofia, política e estética.
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