A empatia piora o mundo, diz psicólogo canadense

Postado em jul. de 2017

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A empatia piora o mundo, diz psicólogo canadense

Paul Bloom fala sobre os efeitos nocivos da empatia, que ele considera excessivamente baseada na esfera emocional.


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Buscar entender a realidade e os sentimentos de outras pessoas é uma necessidade com que nos deparamos desde muito cedo na vida. Precisamos aprender a ter empatia - a capacidade de se colocar no lugar do outro - para lidar com relações humanas de maneira geral, para desenvolver sensibilidade em relação ao sofrimento alheio ou mesmo para ficar feliz com a conquista de alguém. Parece ser, para todos os efeitos, uma virtude.

O psicólogo canadense Paul Bloom, no entanto, é um crítico ferrenho da empatia. Autor do livro Against Empathy: The Case for Rational Compassion [Contra a empatia: por uma compaixão racional], Bloom aponta problemas no impulso do homem de projeção ou identificação com a dor do outro. Sem negar os efeitos positivos da empatia, ele baseia sua crítica na ideia de que nossa compaixão não deve seguir uma lógica meramente emocional, pois assim acabamos dando mais importância ao sofrimento de quem se parece conosco, e negligenciando a dor de muitas pessoas.

Paul Bloom foi conferencista do Fronteiras do Pensamento 2014. A tese do psicólogo é  complexa, e suscita muitas perguntas. Leia abaixo a entrevista do intelectual para o jornal Folha de S.Paulo.


Por que a empatia não é um guia confiável para nossas ações morais?

Por uma só razão: das capacidades e faculdades humanas, ela é a mais tendenciosa. A empatia – entendida como a capacidade de compartilhar dos sentimentos alheios e, acima de tudo, de sentir a dor alheia – é um grande desastre moral. O exercício da empatia nos conduz às piores decisões e a um mundo pior.

As mais recentes pesquisas da neurociência e a experiência do cotidiano revelam que é relativamente fácil se colocar no lugar daqueles que você ama, de alguém próximo, atraente, amigável ou que se parece com você. Mas a empatia por quem lhe é distante se dá com bem menos naturalidade.

Além disso, a empatia não pode ser quantificada e naturalmente expandida. Ela funciona como um holofote, isto é, só podemos centrá-la em um indivíduo ou num grupo pequeno. Vários estudos mostram que, estranhamente, a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas.

Por fim, a empatia pode ser usada para induzir pessoas a endossar posições políticas das mais cruéis. 

 

A que tipo de crueldade o senhor se refere?

Políticos, ativistas, artistas e até certos filósofos e sociólogos têm visto a empatia como uma espécie de fonte de bem-estar e paz social, atribuindo nossos fracassos sociais a um déficit de empatia. Eles estão equivocados. A empatia leva não só indivíduos, mas também nações e organizações, a tomar as piores decisões.

No século 18, [o economista e filósofo] Adam Smith notou que quanto mais empatia tivermos por alguém que sofre, mais desejaremos retaliação contra aqueles que causam esse sofrimento. As pessoas mais empáticas são também as mais propensas a represálias violentas.

A empatia compromete o nosso julgamento: damos naturalmente mais importância a uma menininha que caiu num poço do que a crises que afetam milhões de pessoas, como a mudança climática. A empatia deflagrada por histórias de vítimas inocentes é facilmente utilizada para incitar ódio contra grupos minoritários, ou para gerar apoio a guerras desnecessárias. 

 

Qual é a relação fundamental entre empatia e justiça?

Quando consideramos que a justiça requer algum tipo de imparcialidade – ou seja, que a importância ou a beleza de uma pessoa não deveria ser levada em conta no modo como a tratamos; que a resposta empática a alguém que está na fila do transplante de órgãos não deveria nos levar a passá-lo na frente dos demais –, torna-se claro que a empatia constitui, sim, um guia muito pobre para a moral.

Trata-se, repito, de um princípio da natureza humana excessivamente tendencioso. 

 

De onde vem essa crença, a seu ver exagerada, na força moral da empatia?

Vem de um retrocesso geral à era da irracionalidade. Muita gente, principalmente na academia, mostra entusiasmo exagerado com o poder das emoções e dos sentimentos, tornando-se cética em relação à racionalidade. Nossos heróis morais são pessoas de grandes sentimentos, não de grande inteligência. Somos encorajados a usar nossos corações, não nossas mentes. Acredito que a consequência dessa fé nos sentimentos pode ser vista de várias formas – a mais recente eleição presidencial nos EUA é um bom exemplo disso. 

 

O sr. diria que há uma ligação entre empatia e corrupção?

Sem dúvida. A corrupção tem origem na cobiça e no interesse próprio. Além disso, boa parte dela se deve ao impulso de favorecer amigos e familiares. Esse tipo de tendência tem sua raiz, ao menos em parte, na empatia. 

 

Ao mesmo tempo em que desenvolve uma argumentação contra a empatia, seu livro faz uma longa apologia da compaixão. Por quê?

A distinção entre essas duas capacidades humanas é crítica para o meu argumento contra a empatia. Ela é feita de forma brilhante pelas neurocientistas Tania Singer e Olga Klimecki em um artigo na revista Current Biology.

Elas escrevem que, "em contraste com a empatia, a compaixão não significa compartilhar do sofrimento do outro: antes, se caracteriza por sentimentos calorosos, como zelo e cuidado com o outro, assim como por uma forte motivação para melhorar o seu bem-estar. A compaixão é sentir algo pelo outro, e não sentir algo com o outro".

Ou seja, a empatia nos leva a confundir nossos sentimentos com os dos outros e nos coloca em uma situação de pleno envolvimento. Isso não acontece no processo da compaixão, que nos coloca muito mais como observadores. Logo, é possível concluir que a empatia tende à irracionalidade, enquanto a compaixão deixa uma janela aberta para a razão.

 

A psicologia costuma descrever dois tipos de empatia: a emocional e a cognitiva. O "contra" do título de seu livro se refere sobretudo à primeira categoria, não é?

Sim. A empatia cognitiva é definida como a capacidade de entender o que está se passando na mente de uma outra pessoa (o que ela quer, em que acredita, como se sente), sem necessariamente compartilhar dos sentimentos dela. É uma forma de entendimento.

Mas não representa por si uma força positiva. Frequentemente chamada de inteligência emocional, ela pode ser usada para o bem ou para o mal, como qualquer tipo de inteligência.

 

A empatia não tem nada de bom?

Ela pode desempenhar um papel importante nos relacionamentos íntimos. Normalmente, queremos que pessoas próximas a nós sintam o que sentimos, sobretudo quando se trata de emoções positivas.

Além disso, a empatia pode ser uma fonte imensa de prazer. É uma das alegrias de termos filhos: viver experiências com as quais já se estava acostumado como se fosse a primeira vez. A empatia amplifica o prazer da amizade e da comunidade, do esporte e dos jogos, do sexo e do namoro.

Não é só a empatia para sentimentos positivos que nos engaja. Há um fascínio em ver o mundo pelos olhos do outro, mesmo quando o outro sofre. A maioria de nós é muito curiosa acerca da vida dos outros, e o ato de tentar simular essas vidas é transformador.

Um mundo sem empatia seria terrível. Só precisamos ter o cuidado de evitar usar a empatia como um guia moral. 

 

O sr. admite que o seu livro poderia perfeitamente se chamar, por exemplo, "Contra os Maus Empregos da Empatia". Por que insistiu num título tão direto? Marketing?

As vendas são importantes, mas não é esse o motivo. Eu o intitulei Contra a Empatia simplesmente porque sou radicalmente contra a empatia!

Mas é preciso ter em mente que o livro traz um subtítulo a meu ver muito significativo ("por uma compaixão racional"), que deixa claro que não sou contra a bondade, a gentileza e o altruísmo. O que faço é oferecer uma alternativa para que se alcancem tais qualidades.

(Via Folha)

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Paul Bloom

Paul Bloom

Psicólogo

Psicólogo canadense Ph.D em psicologia cognitiva pelo MIT e destacado professor de Psicologia e Ciência Cognitiva em Yale.
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