"A ética vai valer mais do que o conhecimento"

Postado em mar. de 2021

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"A ética vai valer mais do que o conhecimento"

Howard Gardner, autor da Teoria das Inteligências Múltiplas, fala sobre as cinco mentes para o futuro e destaca o valor do comportamento ético.


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O psicólogo norte-americano Howard Gardner é autor de uma teoria que faz estremecer a educação tradicional: a inteligência não pode ser medida por testes e raciocínio lógico-matemático. De acordo com a Teoria das Inteligências Múltiplas, outros tipos de inteligência são muito importantes, tais como a espacial, interpessoal, intrapessoal, musical e existencial.

Após seu empenho para derrubar a crença de que uma pessoa inteligente em um campo o é para tudo, e de que pessoas medianas são medianas em tudo, Gardner desenvolveu a ideia das cinco mentes para o futuro, colocando o caráter no topo das prioridades: “o mais difícil com relação à ética é fazer a coisa certa mesmo quando essa atitude não atende aos nossos interesses”.

Conhecido mundialmente por sua Teoria das Inteligências Múltiplas, Howard Gardner é professor na Universidade de Harvard e na Boston School of Medicine, e integra o grupo de pesquisa Good Work Project. 

A seguir, você confere a entrevista completa: 

A Teoria das Inteligências Múltiplas causou grande impacto na Educação. Nesses mais de 30 anos de existência, o que mudou? 

Howard Gardner: Durante centenas de anos, os psicólogos seguiam uma teoria: se você é inteligente, é assim para tudo. Se é mediano, se comporta dessa maneira todo o tempo. E, se você é burro, é burro sempre. Dizia-se que a inteligência era determinada pela genética e que era possível indicar quão inteligente é uma pessoa submetendo-a a testes. Minha teoria vai na contramão disso. Se você me pergunta se minhas ideias tiveram impacto significativo, eu digo que não. Não há escolas e cursos Gardner, mas pessoas que ouvem falar dessas coisas e tentam usá-las.

As escolas têm dificuldade em acompanhar mudanças como essa? 

Howard Gardner: As instituições de ensino mudam lentamente e estão preparando jovens para os séculos 19 e 20. Além disso, os docentes lecionam do modo como foram ensinados. Mesmo que sejam expostos a novos conhecimentos, é preciso que eles queiram aprender a usá-los. Se isso não ocorre, nada muda.

Como sua teoria pode ser incorporada às propostas pedagógicas? 

Howard Gardner: No livro Multiple Intelligences Around the World diversos autores descrevem como implementaram minhas ideias. Enfatizo duas delas: a primeira é a individualização. Os educadores devem conhecer ao máximo cada um de seus alunos e, assim, ensiná-los da maneira que eles melhor poderão aprender. A segunda é a pluralização. Isso significa que é necessário ensinar o que é importante de várias maneiras - histórias, debates, jogos, filmes, diagramas ou exercícios práticos.

Como fazer a individualização do ensino numa sala com 40 estudantes? 

Howard Gardner: Realmente é mais fácil individualizar o ensino numa sala com dez crianças e em instituições ricas. Mas, mesmo sem essas condições ideais, é possível: basta organizar grupos formados por aqueles que têm habilidades complementares e ensinar de modos diferentes. Se o professor entende a teoria, consegue lançar mão de outras formas de trabalhar - como explorar o que há no entorno da escola. Se ele acredita que só com equipamentos caros vai conseguir bons resultados em sala de aula, não entendeu a essência do pensamento.

 

 

A lista de conteúdos está cada vez maior. Como dar conta do programa e ainda variar a metodologia? 

Howard Gardner: É um erro enorme acreditar que por termos mais a aprender, necessitamos ensinar mais. A questão central é que várias coisas que antes tinham de ser memorizadas agora estão facilmente disponíveis para pesquisa. Colocar uma quantidade cada vez maior de informação na cabeça da garotada é um desastre. Infelizmente, essa é uma prática comum em diversos cantos do mundo. Depois de viajar muito, posso afirmar que o interesse de diversos ministros da Educação é apenas fazer com que seu país se saia bem nos testes internacionais de avaliação. E isso é ridículo.

Sua teoria inclui um um método adequado de avaliá-la? 

Howard Gardner: Gastamos bilhões de dólares desenvolvendo testes para medir o nível em que está a Educação, mas eles, por si só, não ajudam a aprimorá-la - simplesmente nos dizem quem está melhor ou pior. Para saber isso, basta olhar para as notas. A diferença dos testes de inteligências múltiplas é que é necessário aplicá-los somente naqueles que têm dificuldades. Assim, podemos verificar as formas de ensinar mais adequadas a eles, ajudando todos - e a Educação, de fato.

Os testes de QI sofreram muitas críticas de sua parte. Por quê? 

Howard Gardner: A maior parte dos testes mede a inteligência lógica e de linguagem. Quem é bom nas duas é bom aluno. Enquanto estiver na escola, pensará que é inteligente. Porém, se decidir dar um passeio pela cidade, rapidamente descobrirá que outras habilidades fazem falta, como a espacial e a intrapessoal - a capacidade que cada um tem de conhecer a si mesmo, fundamental hoje.

De que forma essa habilidade pode ser determinante para o sucesso? 

Howard Gardner: Ela não era importante no passado porque apenas repetíamos o comportamento dos nossos pais. Agora, todos necessitamos tomar decisões sobre onde morar, que carreira seguir e se é hora de casar e de ter uma família. E quem não tem um entendimento de si mesmo comete um erro atrás do outro.

Qual o desafio do mundo para os próximos anos em relação à Educação? 

Howard Gardner: Estamos vivendo três poderosas revoluções. Uma delas é a globalização. As pessoas trabalham em empresas multinacionais e mudam de país, o que é bem diferente de quando as populações não tinham contato umas com as outras. A segunda revolução é a biológica. Todos os dias, o conhecimento científico se aprimora e isso afeta a maneira de ensinar e de aprender. O cérebro das crianças poderá ser fotografado no momento em que estiver funcionando, permitindo detectar onde estão os pontos fortes e os fracos e a melhor forma de aprender. A terceira revolução é a digital, que envolve realidade virtual, programas de mensagens instantâneas e redes sociais. Tudo isso vai interferir na forma de pensar a Educação no futuro.

O livro Cinco Mentes para o Futuro aborda as características essenciais a ser desenvolvidas pelos humanos. Como isso se relaciona com as inteligências múltiplas? 

Howard Gardner: As cinco mentes não estão conectadas com as inteligências e são possibilidades que devemos nutrir. A primeira é a mente disciplinada - se queremos ser bons em algo, temos de nos esforçar todos os dias. Isso costuma ser difícil para os jovens, que mudam rapidamente de uma tarefa para outra. Essa mente pressupõe ainda a necessidade de compreender as formas de raciocínio que desenvolvemos: histórica, matemática, artística e científica. O problema é que muitas escolas ensinam somente fatos e informações.

Como lidar com o excesso de informações a que temos acesso hoje? 

Howard Gardner: Essa capacidade é dominada por um segundo tipo de mente, a sintetizadora. Ela nos aponta em que prestar atenção e como os dados podem ser combinados. É preciso ter critério para fazer julgamentos e saber como comunicar-se de forma sintética. Para os educadores, era mais fácil sintetizar quando usavam-se apenas um ou dois livros.

 

 

Qual é o terceiro tipo de mente? 

Howard Gardner: A criativa. Ela levanta novas questões, cria soluções e é inovadora. Pessoas desse tipo gostam de se arriscar e não se importam de errar e tentar de novo. Essa é a mente que pensa fora da caixa. Mas você só consegue isso quando tem uma caixa: disciplina e síntese. Por isso, o conselho que dou é dominar a disciplina na juventude para ter mais tempo de ser criativo.

O livro aponta também habilidades associadas a virtudes morais. 

Howard Gardner: Uma delas envolve o respeito - e é mais fácil explicar a mente respeitosa do que alcançá-la. Ela começa com o reconhecimento de que cada ser humano é único e, por isso, tem crenças e valores diferentes. A questão é o que fazemos com essa conclusão. 

"Nós podemos matar e discriminar os diferentes ou tentar entendê-los e cooperar com eles. Desde que nascem, os humanos percebem se vivem em um ambiente respeitoso. Observam como os pais se relacionam e tratam os filhos, como os mestres interagem com os colegas e com os estudantes e assim por diante. O respeito está na superfície."

Essa última habilidade se relaciona à ética, certo? 

Howard Gardner: Sim. No que se refere à ética, é necessário imaginar-se com múltiplos papéis: ser humano, profissional e cidadão do mundo. O que fazemos não afeta uma rua, mas o planeta. Temos de pensar nos nossos direitos, mas também nas responsabilidades. O mais difícil com relação à ética é fazer a coisa certa mesmo quando essa atitude não atende aos nossos interesses. Ao resumir esses dois últimos tipos de mente, eu diria que pessoas que têm atitudes éticas merecem respeito. O problema é que muitas vezes respeitamos alguém só pelo dinheiro ou pela fama. O mundo certamente seria melhor se dirigíssemos nosso respeito às pessoas extremamente éticas.

O ideal é que as cinco mentes sejam desenvolvidas? 

Howard Gardner: Sim. No entanto, elas não se adaptam umas às outras de forma fácil. Sempre haverá tensão entre a disciplina e a criatividade e entre o respeito e a ética. Cabe a você respeitar colegas e superiores, mas, se eles fizerem algo errado, como agir? Ignorar o fato ou confrontá-los? Saber conciliar os diferentes tipos de mente é um desafio para a inteligência intrapessoal. Só você pode se entender e achar seu caminho.

 

 

(Via Nova Escola)

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Howard Gardner

Howard Gardner

Psicólogo

Psicólogo e professor de Harvard, Gardner é conhecido mundialmente por sua teoria das inteligências múltiplas.
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