Niall Ferguson responde: o papel da mídia tradicional nas eleições das redes sociais

Postado em nov. de 2017

História | Internet e Redes Sociais | Líderes Globais

Niall Ferguson responde: o papel da mídia tradicional nas eleições das redes sociais

Historiador foi o penúltimo conferencista da temporada 2017 do Fronteiras. Respondendo o público seguidor do projeto nas mídias, explicou o poder dos grandes veículos em tempos de mídias sociais.


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Crise democrática, economia instável, movimentos migratórios internacionais e aumento de fenômenos como o populismo e a xenofobia. Será que a civilização ocidental chegou ao fim? Esta foi a pergunta-chave da conferência de Niall Ferguson no Fronteiras do Pensamento

Levando o público para um passeio pela história da civilização, o historiador britânico destacou a tese defendida em sua obra, Civilização, a de que o Ocidente se sobrepôs ao Oriente, a partir dos anos 1600, por conta da adoção de seis conceitos e instituições, chamados pelo convidado de "aplicativos": a competição, a ciência, o direito à propriedade, a medicina moderna, a sociedade de consumo e a ética de trabalho. Segundo o conferencista, tais pilares foram desenvolvidos em países da Europa, berço da sociedade ocidental, mas estão disponíveis para qualquer país, em qualquer lugar – assim como aplicativos, que podem ser baixados e utilizados por outras pessoas.

O intelectual britânico alertou, ainda, para as alterações no cenário global, que colocam diversos países ocidentais em posições políticas, econômicas e sociais de maior incerteza. De acordo com o historiador, nações orientais como a China passaram a concentrar mais esforços em pelo menos parte desses aplicativos, como o estímulo à competição. “Estamos passando por processo que põe fim à grande liderança do Ocidente sobre o Oriente. Isso é fantástico. Centenas e centenas de asiáticos não estão vivendo mais na pobreza”, argumentou.

Após sua fala, Ferguson respondeu as perguntas do público. Dentre elas, estava a Pergunta Braskem, enviada por vocês, nossos leitores e seguidores digitais. Confira esta e outras respostas do historiador, nesta breve "entrevista" que se transforma a interação entre o público do Fronteiras e os conferencistas do projeto.

O senhor é enfático ao explicar o poder das mídias sociais nas eleições contemporâneas, inclusive, mencionando em entrevista que o candidato brasileiro que entender isso terá ampla vantagem sobre os outros. Mas, e a mídia tradicional? Qual o poder que os grandes veículos têm atualmente tanto para eleger quanto para depor ou atrapalhar os governos ocidentais? 

Esta é uma excelente pergunta. Gostaria de evitar um excesso de simplificação, quando eu falar sobre os Estados Unidos, em 2016. Porque não foram só o Facebook e o Twitter que levaram à vitória de Trump como já foi dito diversas vezes. A TV a cabo também foi responsável. A TV a cabo deu uma cobertura ilimitada e gratuita ao Trump, propagando tudo o que ele dizia. Ele foi tratado de forma totalmente diferente dos outros candidatos. Então, algumas análises, inclusive um artigo recente de Stanford dizia que a televisão é muito importante, mas é uma inferência muito ingênua, é o tipo de coisa que os acadêmicos erram mesmo. Eles não se perguntaram por que os canais de TV a cabo estavam obsessivamente dando tempo no ar ao Trump. Toda vez que ele aparecia, os números nas redes sociais subiam dramaticamente. Todos os noticiários, produtores de shows de notícias, da manhã, da tarde, seguiam o Trump no Facebook, no Twitter e viam os efeitos nas suas próprias contas toda vez que ele aparecia. 

Acho que nós ainda estamos subestimando a importância das redes sociais, ou plataformas de rede, na decisão do desfecho dessa eleição. No ano passado, eu estava tentando calcular quem tinha mais seguidores nas mídias, se era Hillary Clinton ou Donald Trump. Era uma diferença enorme, ele tinha muito mais seguidores. Acho que foi um dos preditores mais confiáveis sobre o desfecho das eleições. Ele estava bem à frente dela mesmo em estados democratas. Então, aconteceu alguma coisa e isso aconteceu nas mídias sociais. 

Meu último comentário com relação a isso é que, todas as eleições que acontecerão no futuro próximo serão afetadas pela mesma dinâmica. O Facebook é uma ferramenta política impressionante. Permitem que os anúncios políticos tenham alvos definidos e que pessoas vejam anúncios diferentes entre si. Tudo isso custa menos do que uma propaganda convencional na televisão. 

Acho que, ano que vem, aqui no Brasil, e no México também, vocês devem prestar muita atenção no que vai acontecer. Acho que vai ser importantíssimo... O candidato que entender e aprender a lição do que aconteceu com o Trump, e com o Brexit também, porque a mesma coisa ocorreu na Grã-Bretanha no ano passado. O candidato que entender o poder destas ferramentas vai ter uma vantagem gigantesca e vai gastar o dinheiro da campanha de uma forma muito mais eficaz. 

Agora que eu me mudei para o Vale do Silício, quando passei de Harvard para Stanford, estou muito mais consciente destas questões do que as pessoas que estão longe de lá. Quando vou para Washington, ainda encontro os republicanos que subestimam a importância do Facebook. 

Quando vou para Londres, é impressionante. Estive em Londres há algumas semanas, e falei, "quem tem mais seguidores no Facebook: Jeremy Corbyn ou Theresa May?" Ninguém sabia. Os jornalistas não sabiam. Fiquei espantado. "Vocês não sabem? Então, vocês não aprenderam nada, não entenderam nada." Corbyn tinha quatro vezes mais seguidores no Twitter e no Facebook do que qualquer político conservador. Ele será o próximo primeiro-ministro. Há uma alta probabilidade apenas por causa disso. Só por este motivo. 

E isso se aplica a qualquer democracia. Lembrem-se: o Facebook está em todos os lugares. Uma empresa norte-americana que está em todos os países, com exceção de qual? China. Os chineses não são tão bobos, não é mesmo? 

Niall Ferguson respondeu outras perguntas, vindas da plateia presente no penúltimo evento da temporada, ou do mediador, o filósofo Eduardo Wolf. Veja o que o historiador tem a dizer sobre a ascensão da China, a queda da civilização ocidental e outros temas!

No seu livro, Civilização, o senhor disse que as civilizações podem ser muito frágeis. Até mesmo as mais fortes e sofisticadas podem desaparecer. A partir desta consciência histórica, não seria natural esperar que esta civilização ocidental também possa desaparecer?

Bem, isso é certamente o que os chineses esperam, eu garanto. Passo muito tempo em Pequim e sei que os chineses pensam muito mais de uma forma histórica do que os norte-americanos e eles têm muito mais interesse nestas questões do que os norte-americanos. 

A suposição dos chineses é que o processo natural de declínio e queda está assolando um Ocidente decadente e que chegou o momento da China voltar ao poder. Eles acham que a ordem natural das coisas é que a China seja o país dominante. Esta ascensão ocidental é uma "aberração" que durou apenas uns 200 anos. 

A minha opinião é um pouco diferente. Em primeiro lugar, não acho que exista um ciclo vital de impérios. É uma ideia interessante que vemos em muitos livros. Ela é atraente porque nós, humanos, temos um ciclo de vida. Temos nossa ascensão na juventude, chegamos a um pico na idade média e aí, como eu, entramos em declínio. Como somos desta forma, pensamos que as civilizações também sejam. Não acho que seja bem assim. Avaliando as coisas historicamente, vemos que algumas civilizações duram muito pouco tempo e outras duram um tempo muito longo. Então, não é que exista um ciclo natural de civilizações. 

Estávamos conversando em Porto Alegre sobre até que ponto a civilização grega, com mais de dois mil anos, ainda está viva e faz parte da civilização ocidental hoje. Tenho colegas de Oxford que estão reconstruindo a música antiga grega com base em relíquias arqueológicas e estão fazendo peças de Homero como eram feitas há dois mil anos. Aí, temos um exemplo da sobrevivência da civilização. 

Precisamos reconhecer que a civilização que chamamos de ocidental também pode durar muito tempo, porque tem muitas coisas a seu favor. Ainda acho que ela não vai chegar ao fim, não acho que existe um ciclo de vida das civilizações, porque elas têm a capacidade de se reinventar. Elas não são como nós, elas são mais complexas, são sistemas mais complexos, que podem existir num equilíbrio, se modificando durante longos períodos de tempo. 

É por isso que discordo dos chineses. Acho que eles ainda têm muitos problemas a serem resolvidos e acho que o experimento deles é basicamente baixar quatro aplicativos, mas deixar de baixar dois, porque, na China, eles têm ética de trabalho incrível, sem dúvida, eles têm a sociedade de consumo, a medicina moderna e a revolução científica. Mas, o que eles não baixaram foram os aplicativos da concorrência, da competição, e o estado de direito com base no direito à propriedade privada. 

Fica muito mais difícil baixar seletivamente só aqueles aplicativos, deixar de baixar os que não quer e deixar este estado de partido intacto com um só homem hiperpoderoso no topo. Então, acho que a civilização ocidental ainda não chegou ao fim. Ela ainda vai retomar as coisas.

O historiador Kenneth Clark dizia que um dos elementos que fazem uma civilização é uma espécie de convicção nos seus valores e instituições. Neste universo que o senhor chama de civilização ocidental hoje, falta convicção nas nossas ideias? Estamos fraquejando nos países do Ocidente, incluindo o Brasil?

Bem, não vou falar sobre o Brasil, porque, sem dúvida, sou a pessoa menos especializada em Brasil nesta sala. Mas, podemos dizer que, na Europa e na América do Norte, você tem razão. Principalmente, nas universidades, onde houve uma guerra contra a civilização ocidental. Não é só uma perda de convicção. 

Nossa missão deveria sim ser ensinar a história deste horror que consiste nos aspectos da civilização ocidental que eram terríveis. Ninguém nega que o escravagismo era uma coisa horrível. Ninguém finge que os britânicos foram para a Índia levar vantagens para os indianos, não. 

Mas, se nós contarmos a história das civilizações ocidentais apenas através dos seus pecados, das coisas erradas que eles fizeram e omitir o resto, estaremos fazendo um desserviço às gerações mais jovens e eu vejo isso acontecendo cada vez mais nas universidades. 

O currículo de história e das humanas acabam se desviando das conquistas das civilizações ocidentais e se concentrando exclusivamente no lado das sombras, no lado negativo. Não estou dizendo que devamos ignorar os aspectos negativos, o meu livro, Civilização, fala sobre algumas épocas muito escuras durante a expansão ocidental. 

Por exemplo, houve uma fase da expansão europeia, em que a teoria racial se tornou não apenas uma justificativa para a expansão territorial, mas também para o genocídio, no caso da Namíbia, sob a tutela da Alemanha, por exemplo. 

Não digo que devemos ignorar isso, nós precisamos ensinar isso também, mas não apenas isso. Precisamos explicar por que representantes do governo floresceram no mundo anglofônico e as ideias da democracia constitucional se arraigaram ali primeiro. Isso é muito importante e há cada vez menos aulas nas universidades norte-americanas que contam esta história. Posso pontuar 10 cursos sobre os lados negativos do escravagismo e um que fala sobre os grandes fundadores da constituição norte-americana. Isso não é um bom equilíbrio. 

 

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Niall Ferguson

Niall Ferguson

Historiador e pesquisador

Historiador reconhecido internacionalmente por seus trabalhos em História da Economia.
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